18 de junho de 2013

Recordar é agradecer.

[Declaração prévia: Este texto não vai falar de greve (já li demasiado para me entristecer e me zangar com o assunto, pelo que decidi que não vale a pena expressar a minha opinião, ainda que a tenha). Este texto está condicionado pelo facto da minha mãe, a minha tia e vários amigos/as serem Professores. Este texto foi inspirado neste magistral texto da Sónia Morais Santos. E, dito isto, vamos falar de Professores.]


No princípio, há 20 anos, chamava-se Albina, tinha uns enormes olhos azuis e uma voz que ainda hoje recordo. Éramos cerca de 20 naquela sala nº2, da parte da manhã, de segunda a sexta e a Professora Albina ensinou-me duas das coisas que até hoje me dão mais prazer: ler e escrever. Às suas mãos, fomos actores, pintores, cantores, bailarinos, agricultores, escritores. Também aprendi nesse tempo que não se pode saltar a janela da sala para entrar e que, por isso, há que cumprir um castigo leve, mas lembrado para sempre. Quatro anos depois, despedimo-nos com um lanche na sua casa, assim mesmo, de portas abertas, porque sempre houve respeito, confiança, educação.

Depois, ao mudar de escola, a figura permaneceu, desmultiplicou-se, assumiu outros nomes. Chamava-se Gina e ensinou-me a amar a nossa língua, a apaixonar-me pela leitura, a descobrir-me na escrita. Chamava-se Emília e ensinou-me os mistérios da terra e da vida, a magia da matemática, a ternura que sempre foi compatível com o rigor. Chamava-se Manuela e ensinou-me que podemos ser capazes de nos expressar perfeitamente noutro idioma e que o inglês também pode ser bonito. Chamava-se Lénia e levou-me a desafiar-me a mim própria e a pôr-me à prova, qual atleta olímpica dos números e dos problemas. Chamava-se Natália e ensinou-me a História que nos trouxe aqui e a capacidade de a relacionar, explicar, demonstrar. Chamava-se Cristina e ensinou-me os nomes dos países e das capitais que um dia conheceria, a Geografia deste mundo que cada vez se me faz mais pequeno. Chamava-se Pedro e meteu-me o bichinho, que a casa já me trazia, da química, do laboratório, deste pequeno futuro. Chamava-se Isabel e ensinou-me a competir em equipa, a ultrapassar os meus próprios limites, a ir mais longe. (havia mais, muitos mais que agora não consigo recordar em detalhe e todos me ensinaram algo!)

O caminho continuou e a figura nunca deixou de existir. Agora, chamava-se Manuel Carlos e ensinou-me a enfrentar as dificuldades matemáticas e a passar por cima delas. Chamava-se Rosa e mostrou-me a magia escondida em todas e cada palavra de Pessoa (e tantos outros!). Chamava-se Rosário e contou-me a história dos povos anglo-saxónicos, ampliou a minha base, deu-me muito do inglês que conheço hoje. Chamava-se Anabela e explicou-me a intrincada Filosofia do Homem e da Vida e, não contente, ensinou-me a Psicologia que hoje me ajuda a perceber tantas coisas. Chamava-se Vitória e fez-me rir como poucos, ensinou-me a compreender a ciência da Terra e da Vida, alinhou em todos os nossos planos. Chamava-se Natália e ensinou-me a física dos movimentos e da luz e de todas essas coisas complicadas e também a base de muita química que tive de aprender anos depois, sempre com um sorriso que espero que, de onde me (nos) esteja a ver, ainda tenha. Chamava-se Rosário e ainda que também nos veja de algum lugar que não sei onde fica mas sei que é bom, ensinou-me de perto a exigência e o rigor que são indispensáveis à preparação de um exame tão importante como foi para mim o de Biologia. Chamava-se Francisco e ensinou-me a importância do desporto, da educação do físico. Chamava-se Augusta e ensinou-me a importância de ser rigoroso nos apontamentos, nas observações microscópicas, nos desenhos, nos relatórios (e quanto tardei a apreciar este ensinamento!). Chamava-se Ana Paula e mostrou-me que o laboratório de química é "a minha praia" e que posso "desperdiçar" a minha vida "entre pipetas" que não me importarei (muito!). Chamava-se Ana Margarida e ensinou-me química, valores, vida, amizade, respeito, carinho, paciência, fé (em mim, nos outros, no futuro...). E outros, que sem me dar uma única aula, me ensinaram que o mundo não tem limites quando o sonho é maior do que nós e o sítio onde vivemos... Chamavam-se Teresa, Jorge, Lúcia, Lena... e levaram-me a dois (re)cantos da Europa.

A etapa seguinte do caminho trouxe tantos, tantos nomes associados a esta figura, que não poderia explicar o que me ensinou cada um. Chamavam-se Carlos, Emília, João, Natércia, Alice, Manuela, Zé Manel, São José, Susana, Luís, Isabel, Madalena, Carla, Elsa, Félix, Fernando, Jorge, Helena, Miguel... Tantos! Tantos que fizeram de mim a profissional que sou hoje e, mais do que isso, a pessoa que, uns dias melhor e outros pior, luta pelo futuro que sonhou.

Talvez, se leste tudo até aqui, te perguntes porque é que descrevi com tanto detalhe tudo isto. Pois, a resposta é muito simples: porque a memória falha. A minha já falhou ao tentar recordar tudo o que aqui escrevi e mais falha a dos Professores cansados, assoberbados, esgotados, mas que nunca desistem. E este texto serve o único propósito de vos lembrar, meus Professores, que vale a pena! Porque o caminho é duro e o respeito cada vez é menor, mas haverá sempre alguém que, ainda que não o diga, se lembrará de tudo o que aprendeu convosco. E por isso vale a pena. Para que ser Professor volte a ser (e nunca deixe de ser) a profissão mais nobre do Mundo: a que assume sobre os seus ombros a formação académica, profissional e pessoal de cada nova geração.

OBRIGADA!

14 de junho de 2013

Envelhecer

Ontem a minha avó fez 84 anos. Liguei-lhe, como faço sempre desde que não lhe posso dar pessoalmente o abraço e o beijinho que merece e a primeira coisa que me disse foi "obrigada por teres telefonado". Contou-me as visitas que recebeu, gostei especialmente quando me disse que tinha lá estado "uma moça minha amiga, que andou comigo na escola, que também fez 84 anos no dia 1 de Junho".

Daqui a muitos anos, se Deus quiser, quando também me for dado celebrar esta idade, espero ser como a minha avó. Espero ser grata, antes de qualquer outra coisa, espero saborear com um brilho especial nos olhos, que se ouve na voz, as visitas dos amigos e, principalmente, espero sentir que os meus amigos continuam a ser (sejam, à data, muitos ou poucos) meninos como ontem, moços como hoje. Espero lembrar-me dos seus aniversários e ligar-lhes ou fazer-lhes uma visita enquanto puder.

A minha avó inspira-me, sempre, em inúmeras coisas. Mas nada terá nunca comparação a este espírito que continua a ser jovem, a viver das coisas pequenas, a lutar contra as dificuldades como se estivessemos em Junho de 53 e as suas velas de aniversário marcassem "apenas" 24 anos. Esta é a arte de envelhecer... e eu espero que esteja nos meus genes. :)