1 de Novembro de 2007
Porto – Aveiro, 12h52 – 13h30
A plataforma está vazia e, num instante, parece uma rua de uma das mais movimentadas capitais do mundo. Londres, Washington, Tóquio, Pequim. A todas as imagino assim, como esta plataforma que agora se estende em frente aos meus olhos. Não passa de uma plataforma de uma estação de comboios e, no entanto, mais parece uma metáfora de vida. Encontros, desencontros. Partidas, chegadas. Tudo tão breve e efémero, como se num piscar de olhos tudo à nossa frente mudasse de aspecto.
Sentada confortavelmente no meu lugar, dedico-me a espreitar a plataforma ao lado, à espera que o meu comboio arranque. Ali, há olhares de todos os tipos. Há o pai que espera o filho, carregado, cansado, de mais uma semana de vida escolar. Há a senhora que com um sorriso no olhar aguarda a visita daquela amiga (ou irmã, quem sabe… a imaginação é sem dúvida um campo muito fértil…) que decerto já não vê há muito. Há o rapaz que não esconde a ansiedade nos olhos brilhantes, à espera da namorada que chega de alguma parte incerta mas, certamente, longe demais.
A plataforma enche-se de gente e é engraçado observar as reacções, os encontros. O pai recebe o filho com uma expressão impenetrável, a senhora abraça com força a amiga (ou irmã, ou seja quem for…), o rapaz procura os lábios da namorada e abraça-a, como se pudesse impedi-la de, alguma vez que seja, voltar a partir.
Já não resta praticamente ninguém na plataforma e entretenho-me a pensar se aquela rapariga que ficou sozinha depois de passar a multidão pensará como eu. Se também pensará em ter, todos os dias da sua vida, alguém que a possa esperar numa plataforma de uma estação de comboios, numa sala de espera de um aeroporto ou em qualquer outro lugar que a nossa vida decida ser de chegadas e partidas. Decerto que não, isto nem lhe passa pela cabeça, está apenas e só à espera do comboio que a levará aonde quer chegar.
“Partir exprime simbolicamente o acto de caminhar e é, por isso mesmo, mais importante que chegar.” O comboio arranca e eu nem reparo, entretida como estou na escrita de umas linhas de devaneio mental, estas linhas. Quando dou por ela, o comboio já passa quase junto ao mar. A orla branca de espuma vai mantendo a realidade, lembrando que o mar não é só aquela imensidão azul, quase estática, que os olhos alcançam ao fitar o horizonte. Ali, mais perto, ele está em constante renovação. Uma onda mais perto, outra mais longe, e mais um pedaço do areal conquistado pela sua força. Chega o mais longe possível e, logo a seguir, recua, como que a dar à areia uma oportunidade de respirar antes de voltar a galgá-la sem dó. É invencível, cada onda rouba mais um pouco de areia para outro lugar e, ainda assim, ela permanece ali, sempre à espera daquele ataque. Sabe que não haverá dia em que o mar não venha e a inunde, mas, mesmo assim, não foge. Não aproveita o vento para ir para outras paragens, não se entranha nos pés de quem lá passa. Não quer sair dali, gosta daquela violência que a inunda, dirão muitos. Mas só ela sabe que a sua fraqueza é maior do que a vontade de sair dali e por isso sempre cede, sem conseguir mudar um milímetro.
A viagem está quase a acabar e o meu pensamento já foi muito longe. É hora de guardar o documento numa qualquer pasta da minha organização, desligar o computador, fechar a tampa e devolvê-lo à mochila. É hora de encerrar os pensamentos numa folha de Word. É tempo de lembrar que alguém vai estar à minha espera na plataforma, apesar de por momentos me apetecer continuar sentada, até onde o comboio me levar. Mas não, pelo menos por agora, por hoje, por um futuro relativamente próximo, alguém está à minha espera na plataforma, com o abraço de mãe, ou de pai, guardado para me fazer sentir que é sempre saboroso o regresso a casa.