[Declaração prévia: Este texto não vai falar de greve (já li demasiado para me entristecer e me zangar com o assunto, pelo que decidi que não vale a pena expressar a minha opinião, ainda que a tenha). Este texto está condicionado pelo facto da minha mãe, a minha tia e vários amigos/as serem Professores. Este texto foi inspirado neste magistral texto da Sónia Morais Santos. E, dito isto, vamos falar de Professores.]
No princípio, há 20 anos, chamava-se Albina, tinha uns enormes olhos azuis e uma voz que ainda hoje recordo. Éramos cerca de 20 naquela sala nº2, da parte da manhã, de segunda a sexta e a Professora Albina ensinou-me duas das coisas que até hoje me dão mais prazer: ler e escrever. Às suas mãos, fomos actores, pintores, cantores, bailarinos, agricultores, escritores. Também aprendi nesse tempo que não se pode saltar a janela da sala para entrar e que, por isso, há que cumprir um castigo leve, mas lembrado para sempre. Quatro anos depois, despedimo-nos com um lanche na sua casa, assim mesmo, de portas abertas, porque sempre houve respeito, confiança, educação.
Depois, ao mudar de escola, a figura permaneceu, desmultiplicou-se, assumiu outros nomes. Chamava-se Gina e ensinou-me a amar a nossa língua, a apaixonar-me pela leitura, a descobrir-me na escrita. Chamava-se Emília e ensinou-me os mistérios da terra e da vida, a magia da matemática, a ternura que sempre foi compatível com o rigor. Chamava-se Manuela e ensinou-me que podemos ser capazes de nos expressar perfeitamente noutro idioma e que o inglês também pode ser bonito. Chamava-se Lénia e levou-me a desafiar-me a mim própria e a pôr-me à prova, qual atleta olímpica dos números e dos problemas. Chamava-se Natália e ensinou-me a História que nos trouxe aqui e a capacidade de a relacionar, explicar, demonstrar. Chamava-se Cristina e ensinou-me os nomes dos países e das capitais que um dia conheceria, a Geografia deste mundo que cada vez se me faz mais pequeno. Chamava-se Pedro e meteu-me o bichinho, que a casa já me trazia, da química, do laboratório, deste pequeno futuro. Chamava-se Isabel e ensinou-me a competir em equipa, a ultrapassar os meus próprios limites, a ir mais longe. (havia mais, muitos mais que agora não consigo recordar em detalhe e todos me ensinaram algo!)
O caminho continuou e a figura nunca deixou de existir. Agora, chamava-se Manuel Carlos e ensinou-me a enfrentar as dificuldades matemáticas e a passar por cima delas. Chamava-se Rosa e mostrou-me a magia escondida em todas e cada palavra de Pessoa (e tantos outros!). Chamava-se Rosário e contou-me a história dos povos anglo-saxónicos, ampliou a minha base, deu-me muito do inglês que conheço hoje. Chamava-se Anabela e explicou-me a intrincada Filosofia do Homem e da Vida e, não contente, ensinou-me a Psicologia que hoje me ajuda a perceber tantas coisas. Chamava-se Vitória e fez-me rir como poucos, ensinou-me a compreender a ciência da Terra e da Vida, alinhou em todos os nossos planos. Chamava-se Natália e ensinou-me a física dos movimentos e da luz e de todas essas coisas complicadas e também a base de muita química que tive de aprender anos depois, sempre com um sorriso que espero que, de onde me (nos) esteja a ver, ainda tenha. Chamava-se Rosário e ainda que também nos veja de algum lugar que não sei onde fica mas sei que é bom, ensinou-me de perto a exigência e o rigor que são indispensáveis à preparação de um exame tão importante como foi para mim o de Biologia. Chamava-se Francisco e ensinou-me a importância do desporto, da educação do físico. Chamava-se Augusta e ensinou-me a importância de ser rigoroso nos apontamentos, nas observações microscópicas, nos desenhos, nos relatórios (e quanto tardei a apreciar este ensinamento!). Chamava-se Ana Paula e mostrou-me que o laboratório de química é "a minha praia" e que posso "desperdiçar" a minha vida "entre pipetas" que não me importarei (muito!). Chamava-se Ana Margarida e ensinou-me química, valores, vida, amizade, respeito, carinho, paciência, fé (em mim, nos outros, no futuro...). E outros, que sem me dar uma única aula, me ensinaram que o mundo não tem limites quando o sonho é maior do que nós e o sítio onde vivemos... Chamavam-se Teresa, Jorge, Lúcia, Lena... e levaram-me a dois (re)cantos da Europa.
A etapa seguinte do caminho trouxe tantos, tantos nomes associados a esta figura, que não poderia explicar o que me ensinou cada um. Chamavam-se Carlos, Emília, João, Natércia, Alice, Manuela, Zé Manel, São José, Susana, Luís, Isabel, Madalena, Carla, Elsa, Félix, Fernando, Jorge, Helena, Miguel... Tantos! Tantos que fizeram de mim a profissional que sou hoje e, mais do que isso, a pessoa que, uns dias melhor e outros pior, luta pelo futuro que sonhou.
Talvez, se leste tudo até aqui, te perguntes porque é que descrevi com tanto detalhe tudo isto. Pois, a resposta é muito simples: porque a memória falha. A minha já falhou ao tentar recordar tudo o que aqui escrevi e mais falha a dos Professores cansados, assoberbados, esgotados, mas que nunca desistem. E este texto serve o único propósito de vos lembrar, meus Professores, que vale a pena! Porque o caminho é duro e o respeito cada vez é menor, mas haverá sempre alguém que, ainda que não o diga, se lembrará de tudo o que aprendeu convosco. E por isso vale a pena. Para que ser Professor volte a ser (e nunca deixe de ser) a profissão mais nobre do Mundo: a que assume sobre os seus ombros a formação académica, profissional e pessoal de cada nova geração.
OBRIGADA!