Ontem, neste país onde vivo, celebrou-se mais uma jornada eleitoral, o chamado "20D" (estes tipos gostam destas siglas e usam-nas para tudo). Dado que não tenho possibilidade de votar nestas eleições "gerais" (entenda-se, para formar o Congresso de Deputados e consequentemente o futuro Governo) por ser cidadã do país vizinho - quando mexerem nos impostos digo que não pago porque não tive direito a votar! - decidi fazer uma pequena reflexão/comparação sobre o que ocorreu neste 20D e o que se passou em Portugal no nosso próprio "4O" ou mais propriamente o que aconteceu depois desse dia.
Sem pretensões de analista política (não tenho conhecimentos suficientes para tal), o meu estatuto de "leiga imigrante sem direito a voto" permite-me observar tudo de fora e tirar as minhas próprias ilacções... Ora então:
1) Primeiríssimo e mais importante do que tudo: numas eleições marcadas pelo "voto roubado" (dificuldades impostas aos emigrantes para votar) e outros obstáculos colocados à população para que pudesse participar, a abstenção foi apenas de 27%. Ou seja, em Portugal, numas eleições igualmente importantes em termos de potencialmente mudar o "sistema", a abstenção foi muitíssimo superior (44%). Curioso como isto demonstra que num país tão ou mais marcado pela corrupção como o nosso, num país onde a justiça para esses corruptos tem sido ainda mais lenta e menos fiável, num país de bipartidismo arraigado, onde pouca gente parecia crer que as coisas pudessem mudar, mesmo assim mais de 25 milhões de pessoas exerceram o seu direito/dever. Impressionante. Depois queixamo-nos!
2) Os resultados destas eleições são sumamente curiosos: um equilíbrio impressionante. Um castigo à direita (menos 63 deputados em relação a 2011), que ainda assim não permitiu que esta deixasse de ser a primeira força política no país (um mapa em azul que é um pouco vergonhoso depois de tantos e tantos casos de corrupção expostos e mais que expostos). Um castigo à esquerda socialista que não foi capaz de se reinventar para "destronar" o PP e acaba a perder, ainda que menos significativamente (menos 20 deputados em relação a 2011). Uma entrada poderosa de dois partidos "emergentes", sobretudo de Podemos, reflexo não só da vontade de mudança da população, mas também do medo a essa mesma mudança, já que a "reviravolta" poderia ter sido ainda mais impressionante. Principalmente, agrada-me a perspectiva de que já nada se pode fazer sem dialogar, sem negociar, sem ceder, sem chegar a acordos. Tal como em Portugal... Mas o mais curioso de tudo é que aqui a possibilidade de um acordo de governação à esquerda, com cedências entre PSOE, Podemos e Izquierda Unida e com a "conivência" dos nacionalistas, é algo considerado totalmente normal! É apenas mais uma das hipóteses que se configuram neste complicado cenário político. Coisa que não aconteceu em Portugal, com acusações de "eleições ganhas na secretaria", etc... Interessante...
3) Uma última nota para a injustiça BRUTAL que constitui a lei eleitoral espanhola, regida pelo método de Hondt conjugado com uma eleição por circunscrição provincial. Este sistema leva a que, por exemplo, para que o Partido Popular possa eleger um deputado, sejam necessários aproximadamente 60000 votos; contrariamente, a Unidad Popular (Izquierda Unida), para eleger um deputado, necessita de aproximadamente 400000 votos (quase 7 vezes mais). Esta situação é inaceitável já que conduz a que o voto de um cidadão de uma determinada província tenha mais valor que o de outro cidadão de outra província, algo pouco compreensível num país democrático. Talvez este seja o primeiro ponto que o futuro governo deva discutir, com urgência, seja de que hemisfério político for...
E agora, esperemos para ver se o Congresso deixa passar 4 anos mais de Mariano Rajoy e amigos (duvido), se a esquerda se entende com Pedro Sánchez à cabeça (difícil) ou se dentro de uns meses os meus amigos espanhóis estarão de novo a votar para as "generales" e eu a fazer as minhas apreciações... :)