18 de janeiro de 2017

Dona do tempo.

Vivemos a correr, embrenhados nos nossos problemas, nas nossas lutas diárias, ou até na preguiçosa e enfadonha rotina de quem vê nascer e pôr-se o sol sem que nada de novo aconteça. Às vezes vivemos momentos que são como efémeros raios de luz, manifestações espontâneas da beleza do mundo, viagens, celebrações, conquistas, abraços apertados que nos aconchegam na certeza de que há sempre algo de bom para recordar. Vivemos sem tempo para nada, e sobretudo sem tempo para pensar que controlamos muito pouco do que acontece à nossa volta e até connosco. Deixamos para amanhã tudo o que não nos apetece fazer hoje, porque amanhã é outro dia. Trabalhamos mais horas do que devíamos porque tudo é urgente e nada pode ficar para trás, ou para amanhã. Pensamos ao longe naquele reencontro prometido, naquele abraço que ficou por dar, naquelas vezes em que não esperámos pela resposta ao habitual "tudo bem?". Vivemos como se fosse para sempre, às vezes com medo de que não seja, mas sempre a acreditar que há-de haver tempo.

E às vezes de repente a vida vem e dá-nos uma chapadona daquelas mesmo bem assentes, deixa-nos sem palavras e recorda-nos que é ela quem manda. No tempo e em (todos) nós.

14 de outubro de 2016

Serei quem quiser ser.

São 00:53 e calculo que sairei do laboratório por volta das 01:15-01:30. Hoje cheguei às 7:45, parei uma hora para almoçar e vinte minutos ao fim da tarde para comer alguma coisa e tirar as lentes de contacto, para poder continuar sem que os meus olhos se queixem demasiado. Na quarta-feira passada foi idêntico. E em tantos outros dias.

Doem-me os olhos de tantas horas passadas no escuro a olhar para órgãos diminutos, para um microscópio e para um ecrã. Doem-me as costas de tanto tempo sentada, nem sempre na melhor posição, em tarefas minuciosas, que exigem que as minhas mãos não tremam, mas tremem. Ao fim de mais de 12 horas, não consigo fazer com que não tremam.

Triplico a atenção em cada passo, em cada mínima tarefa, porque sei que o meu corpo e o meu cérebro me podem trair. Depois de um dia tão longo, não posso estragar tudo agora. Sigo o protocolo, abro bem os olhos que pedem descanso, controlo todos os passos.

Amanhã é sábado mas hei-de cá voltar, umas horas, para acabar o ensaio. Com a mesma vontade, a mesma curiosidade, a mesma ilusão de quem está a começar, ainda que já sejam cinco anos desta vida.



A um dado momento, disseram-me, repetidamente, que provavelmente este caminho profissional não era o meu. Que não tinha o que era necessário, que não era suficientemente rigorosa, organizada, até dedicada para poder fazer investigação científica. Em dias como hoje, permito-me discordar.

22 de julho de 2016

Em círculo.

Fomos Nova Iorque, 11 de Setembro, estarrecidos.
Fomos Madrid, 11 de Março, confusos e surpreendidos.
Fomos Londres, Oslo, Boston, Paris, Ancara e Bruxelas.
Fomos Charlie porque nos tocava,
Aylan porque nos chocava.

Mas esquecemos.

Todos os dias nos esquecemos de ser paz, abraço, abrigo, amor.
Combatemos a guerra de armas nas mãos,
sem nos darmos conta que a estamos a alimentar.
Combatemos o medo de insultos na boca,
sem nos darmos conta que o estamos a semear.

Há tanto ruído que já não ouvimos,
já não nos escutamos.

Quando é que falar se fez mais importante do que ouvir?
Quando é que fugir, esconder, proteger,
se tornaram mais importantes do que estar, olhar, arriscar, SENTIR?

Fomos tudo sem ser nada.
Fomos tudo o que o mundo quis ouvir,
nada do que um dia,
ao olhar para trás,
gostaríamos de ter sido.

Porque no meio do barulho,
das vozes,
dos insultos,
das armas,
do medo,

no meio do medo tem que poder continuar a florescer o amor.

No meio de nós,
no meio do nosso medo de sucumbir,
têm de persistir uns braços abertos,
entregues,
confiantes,
ousados,
diferentes.

Se continuarmos a virar nas mesmas esquinas,
nunca mudaremos o nosso destino.

[12.4.2016]