28 de agosto de 2013

Palavras.

Não gosto de sentir que ando à procura das palavras. Não gosto de ter que as escolher, uma por uma, como setas de um arco invisível, que uma vez atiradas nunca poderão voltar à origem. Prefiro que as palavras me inundem, que se atropelem por sair dos meus lábios, dos meus dedos, daquilo a que gosto de chamar alma. Prefiro que as palavras cheguem a mim como gotas de chuva num pedaço de terra árida, ideais, adequadas, acertadas, perfeitas. Mas o problema é que, muitas vezes, quando assim chegam, as palavras vêm misturadas, as necessárias com as excessivas, as acertadas com as inoportunas. E, de repente, a dúvida: disse o que devia? Fui útil?

Mais de uma vez, nestas semanas que se antecipavam de descanso e relaxamento, tive de escolher palavras, pensar e repensar o que dizer, pensar na sua utilidade, na sua acção, na reacção de quem as iria receber, no que poderia fazer delas. Tive de pensar se eram as adequadas, mas também tive de me convencer que, por vezes, dizê-las era tudo o que podia fazer. Por mim e pelos outros. Para que nada fique por dizer, para que de nada me possa arrepender, para sentir que, pelo menos, estiquei a mão, ofereci uma palavra, fiz qualquer coisa. Ainda que de nada sirva, ainda que as palavras não tranquilizem ânimos, não traduzam motivações, não respondam a porquês, não tragam de volta quem desapareceu de repente. Ainda que as palavras que escolhi de nada sirvam, contê-las era algo que não conseguiria ter feito.

Porque, ainda assim, as palavras continuam a inundar-me. Por vezes desorganizadas, a pedir que as coloque de alguma maneira minimamente lógica. Por vezes em forma de canções que escuto, de textos que leio, de formas de organizar as palavras que outros descobriram, muito, muito melhor do que eu. Mas enquanto continuarem a chegar como chuvas torrenciais, como nós na garganta, como sensações de dever, como tradução de sentimentos tão maiores do que eu, melhor ou pior, continuarei a escolher as palavras com que vos direi que estou a tentar. Sem desistir. Caindo mil vezes, levantando-me mil e uma.

"Don't hang your head in sorrow
Don't give up just before you win
Don't wait around for tomorrow"

17 de julho de 2013

In reverse.

Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, "suficiente" significa três coisas: "que é bastante", "que satisfaz" e ainda "apto, capaz, hábil".

Segundo a Real Academia Española, significa "bastante para lo que se necesita" e "apto o idóneo".

Segundo algumas pessoas, não existe. Algo tão simples, tão banal e no entanto tão desconhecido para algumas pessoas. E quando assim é, quando nada do que se faz parece ser suficiente, é quando te sentes mais incompetente (ou será impotente?!). Porque nenhum esforço chegará a satisfazer, nunca. Porque em vez de contar cada pequeno grão de areia, conta apenas a enorme tempestade que cria dunas e muda a face dos desertos e que quase nunca acontece. E por isso, tudo o resto, todos os outros grãos de areia que, pacientemente se foram colocando, não significam nada.

Manipulando a letra dessa grande canção dos eternos Coldplay,

When you try your best but you don't succeed,
You neither get what you want, nor what you need.
Stuck in reverse? Absolutely.

18 de junho de 2013

Recordar é agradecer.

[Declaração prévia: Este texto não vai falar de greve (já li demasiado para me entristecer e me zangar com o assunto, pelo que decidi que não vale a pena expressar a minha opinião, ainda que a tenha). Este texto está condicionado pelo facto da minha mãe, a minha tia e vários amigos/as serem Professores. Este texto foi inspirado neste magistral texto da Sónia Morais Santos. E, dito isto, vamos falar de Professores.]


No princípio, há 20 anos, chamava-se Albina, tinha uns enormes olhos azuis e uma voz que ainda hoje recordo. Éramos cerca de 20 naquela sala nº2, da parte da manhã, de segunda a sexta e a Professora Albina ensinou-me duas das coisas que até hoje me dão mais prazer: ler e escrever. Às suas mãos, fomos actores, pintores, cantores, bailarinos, agricultores, escritores. Também aprendi nesse tempo que não se pode saltar a janela da sala para entrar e que, por isso, há que cumprir um castigo leve, mas lembrado para sempre. Quatro anos depois, despedimo-nos com um lanche na sua casa, assim mesmo, de portas abertas, porque sempre houve respeito, confiança, educação.

Depois, ao mudar de escola, a figura permaneceu, desmultiplicou-se, assumiu outros nomes. Chamava-se Gina e ensinou-me a amar a nossa língua, a apaixonar-me pela leitura, a descobrir-me na escrita. Chamava-se Emília e ensinou-me os mistérios da terra e da vida, a magia da matemática, a ternura que sempre foi compatível com o rigor. Chamava-se Manuela e ensinou-me que podemos ser capazes de nos expressar perfeitamente noutro idioma e que o inglês também pode ser bonito. Chamava-se Lénia e levou-me a desafiar-me a mim própria e a pôr-me à prova, qual atleta olímpica dos números e dos problemas. Chamava-se Natália e ensinou-me a História que nos trouxe aqui e a capacidade de a relacionar, explicar, demonstrar. Chamava-se Cristina e ensinou-me os nomes dos países e das capitais que um dia conheceria, a Geografia deste mundo que cada vez se me faz mais pequeno. Chamava-se Pedro e meteu-me o bichinho, que a casa já me trazia, da química, do laboratório, deste pequeno futuro. Chamava-se Isabel e ensinou-me a competir em equipa, a ultrapassar os meus próprios limites, a ir mais longe. (havia mais, muitos mais que agora não consigo recordar em detalhe e todos me ensinaram algo!)

O caminho continuou e a figura nunca deixou de existir. Agora, chamava-se Manuel Carlos e ensinou-me a enfrentar as dificuldades matemáticas e a passar por cima delas. Chamava-se Rosa e mostrou-me a magia escondida em todas e cada palavra de Pessoa (e tantos outros!). Chamava-se Rosário e contou-me a história dos povos anglo-saxónicos, ampliou a minha base, deu-me muito do inglês que conheço hoje. Chamava-se Anabela e explicou-me a intrincada Filosofia do Homem e da Vida e, não contente, ensinou-me a Psicologia que hoje me ajuda a perceber tantas coisas. Chamava-se Vitória e fez-me rir como poucos, ensinou-me a compreender a ciência da Terra e da Vida, alinhou em todos os nossos planos. Chamava-se Natália e ensinou-me a física dos movimentos e da luz e de todas essas coisas complicadas e também a base de muita química que tive de aprender anos depois, sempre com um sorriso que espero que, de onde me (nos) esteja a ver, ainda tenha. Chamava-se Rosário e ainda que também nos veja de algum lugar que não sei onde fica mas sei que é bom, ensinou-me de perto a exigência e o rigor que são indispensáveis à preparação de um exame tão importante como foi para mim o de Biologia. Chamava-se Francisco e ensinou-me a importância do desporto, da educação do físico. Chamava-se Augusta e ensinou-me a importância de ser rigoroso nos apontamentos, nas observações microscópicas, nos desenhos, nos relatórios (e quanto tardei a apreciar este ensinamento!). Chamava-se Ana Paula e mostrou-me que o laboratório de química é "a minha praia" e que posso "desperdiçar" a minha vida "entre pipetas" que não me importarei (muito!). Chamava-se Ana Margarida e ensinou-me química, valores, vida, amizade, respeito, carinho, paciência, fé (em mim, nos outros, no futuro...). E outros, que sem me dar uma única aula, me ensinaram que o mundo não tem limites quando o sonho é maior do que nós e o sítio onde vivemos... Chamavam-se Teresa, Jorge, Lúcia, Lena... e levaram-me a dois (re)cantos da Europa.

A etapa seguinte do caminho trouxe tantos, tantos nomes associados a esta figura, que não poderia explicar o que me ensinou cada um. Chamavam-se Carlos, Emília, João, Natércia, Alice, Manuela, Zé Manel, São José, Susana, Luís, Isabel, Madalena, Carla, Elsa, Félix, Fernando, Jorge, Helena, Miguel... Tantos! Tantos que fizeram de mim a profissional que sou hoje e, mais do que isso, a pessoa que, uns dias melhor e outros pior, luta pelo futuro que sonhou.

Talvez, se leste tudo até aqui, te perguntes porque é que descrevi com tanto detalhe tudo isto. Pois, a resposta é muito simples: porque a memória falha. A minha já falhou ao tentar recordar tudo o que aqui escrevi e mais falha a dos Professores cansados, assoberbados, esgotados, mas que nunca desistem. E este texto serve o único propósito de vos lembrar, meus Professores, que vale a pena! Porque o caminho é duro e o respeito cada vez é menor, mas haverá sempre alguém que, ainda que não o diga, se lembrará de tudo o que aprendeu convosco. E por isso vale a pena. Para que ser Professor volte a ser (e nunca deixe de ser) a profissão mais nobre do Mundo: a que assume sobre os seus ombros a formação académica, profissional e pessoal de cada nova geração.

OBRIGADA!