Já lá vão anos desde que a palavra "crise" entrou no meu vocabulário. Anos desde que à minha volta toda a gente, em algum momento, fala de Troika, de FMI, de resgate, de governos-ladrões, primeiros-ministros-mentirosos e sociedade-corrupta. Anos desde que ouço uns a atribuir culpas a outros. O povo a atribuir a culpa aos governos, os governos a atribuir a culpa aos governos anteriores (de outras cores, pois claro), o povo a atribuir-se a culpa a si próprio, uma geração a atribuir a culpa a outra e, no fim de contas, todos contra todos a remar para lados opostos.
Ainda assim, embora viva há anos neste contexto, não me lembro de ter escrito, alguma vez, sobre política e governação neste blog. Já lá vão quase 7 anos desde que inaugurei este espaço virtual e, apesar de tudo isto que me (nos) rodeia, nunca escrevi sobre política. Mas hoje é diferente. Hoje é dia 5 de Outubro e, no Portugal que eu amo, as celebrações são vedadas aos verdadeiros orquestradores da República: o povo. Hoje, só podem celebrar com as autoridades nacionais a implantação da República Portuguesa, que leva já 102 anos de vida, aqueles a quem o Estado decidiu convidar. Num regime republicano democrático, que se espera ser, por definição, um "sistema de governo cujo poder emana do povo", é vedada ao povo a participação na celebração oficial dessa conquista. E hoje, independentemente de qualquer crise, apetece-me dizer que tenho vergonha.
Porque eu até pertenço aos "privilegiados". Porque a mim me foi dada uma oportunidade fora de Portugal e pertenço ao grupo de privilegiados da minha idade que tem um ordenado ao final do mês e que sabe que o terá durante algum tempo, pelo menos (nem que esse tempo seja apenas um ano). Porque eu sou emigrante mais por opção do que por obrigação. Porque não sofro tanto na pele e na conta bancária a crise pela qual passamos e da qual parecem não nos querer tirar. Mas tenho família. E amigos. E um incontável número de pessoas que conheço em situações de sofrimento aos mais diversos níveis, muito por conta desta malfadada crise.
E por isso, hoje, 5 de Outubro de 2012, tenho vergonha da gente que se proclama governante do meu país. Continuo a amar e a orgulhar-me do Portugal das pessoas, do Portugal dos sorrisos acolhedores e dos braços abertos, do Portugal das paisagens maravilhosas, do Portugal onde nasci e cresci e me fiz o que sou hoje. Mas tenho vergonha, muita vergonha do Portugal onde tudo passa, onde ninguém é culpado, onde todos passam impunes e onde o "mexilhão" é sempre o mesmo. Do Portugal onde os governantes têm tanto medo do povo que nem lhe permitem celebrar, pela última vez nos próximos tempos, a implantação do regime cujo poder emana do povo.
Meu Deus, se já não nos podes livrar deste mal, pelo menos... Acorda Portugal!
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